Boris e Winston
Urge fazer alguma coisa com a inspiração. A chuvinha cai monótona lá fora. O dia é
morno e o livro bom. Inspiração nenhuma tem o direito de perturbar essa
quietude, e domingo não é dia de trabalhar. Mas a ideia cutuca como uma criança
birrenta. Quer atenção. Quer que ela pegue papel, caneta, tire o esqueleto da
poltrona e dê trabalho aos neurônios. E eles estão mais prá água de coco e uma
rede, que a vida não carece dessa disritmia, dessa aflição moderna.
Ronald Reagan, um famoso marcha lenta, preguiçoso assumido,
dizia: “já disseram que trabalho duro não mata ninguém, mas pra que arriscar? “
Eis aí, pra que arriscar? Ela não quer nenhuma
responsabilidade de governar a América do Norte e nesse exato momento, ela só
quer mergulhar no livro e usufruir a prosa agradável do autor, que antes de ser
Primeiro Ministro britânico, era jornalista. Escreve bem o danado! Daí que o
senhor Boris Johnson vai colorindo a sua tarde monocórdia com “O Fator
Churchill”.
Ela, pra quem não sabe, é fã de carteirinha do Churchill com
todo o cardápio incluído, manias, defeitos, decisões erradas aos montes,
vaidades e declarações cáusticas que lhe valeram muitos inimigos (verdades são
difíceis de engolir). Que a desculpem os que discordam, mas como diz Johnson,
“nos riachos regados a álcool do seu cérebro”, estava ali explícita sua
genialidade sem paralelo, e uma coragem fora do comum, inclusive aquela que o
mundo de hoje não vê: a coragem moral.
Assumia as suas decisões. E que decisões!
Diferente de Reagan, trabalhava num ritmo alucinante. Seu
staff vivia de língua de fora tentando acompanhar o chefe.
Infelizmente, ela está mais para o Reagan, que não era lá
essas coisas. Tirar a carcaça da poltrona exige um esforço hercúleo. E ela nem
quer. Tem alergia aos mi mi mis dessa cultura biruta, mas vai se sentindo
vingada. Segundo Johnson, os escritos, cartas, decisões, discursos de Sir Winston quando são
examinados sob a lupa da intolerância vigente, o colocam como sexista, racista, imperialista, sionista,
supremacista ariano e anglo-saxão e partidário da eugenia. É mole ou querem
mais? O bom é que ele caminhava e
defecava pra esses arroubos do politicamente correto e emergia do outro lado
com ou sem arranhões, mas emergia. Falem mal mas falem de mim.
Ela acredita em Johnson quando ele diz: “quanto mais se
afasta de nosso tempo, o Churchill não pasteurizado pode parecer um pouco forte
e picante demais para o nosso delicado gosto moderno”.
É isso. Essa gente com o estomago delicado, cansa. Vai daí
que ela prefere se divertir com as façanhas quase sempre pouco corretas do
antigo Primeiro Ministro Britânico contadas pelo atual Primeiro Ministro
Britânico, do que ficar caçando chifre em cabeça de cavalo, e tentando
enquadrar todo mundo na procissão e na ladainha interminável do politicamente
correto. Pode-se ser infeliz às suas próprias custas.
Vocês que são brancos que se entendam! Ela não tem nada com
isso . E mais, paga pra não entender de “Europäische Witschaftegesellschaft”,
que se as mentes privilegiadas de plantão não sacam, é nada mais nada menos que
“Mercado Comum Europeu” (foi o Boris que contou, embora o dicionário diga que é
Europäicher Gemeinsamer Markt – e isso é só pra livrar a cara dela).
Isso tudo é trem de
Primeiro Ministro pra Primeiro Ministro. Ela volta ao barulho da chuva e à
poltrona, que o livro infelizmente, acabou (os prazeres desse mundo são
passageiros).
O porteiro interfona que vai fechar a água pra um conserto não sei onde. Lá fora cai o dilúvio universal.
E ela pega outro livro de um menininho que ouve vozes. Felizmente, não desse mundo,
porque aqui só estão falando besteiras.
Então, vamos às vozes do além. Talvez tragam alguma luz.
Maria Solange Amado Ladeira 24/11/2021
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